Decifrando o tucanês
Quase sempre os políticos falam uma coisa e dizem outra. É que seus discursos estão sempre cheios de subentendidos, de figuras de linguagem que necessitam ser traduzidas para o público que não está acostumado com tal prática.
Um exemplo disso é a carta que José Serra entregou à Comissão Executiva do PSDB, na qual exprime seu desejo de ser pré-candidato para a eleição municipal paulistana.
Como está em tucanês, língua quase morta, pouco falada no país, é obscura em grandes trechos. Mas depois de muito esforço, consegui entender o que ele quis dizer de verdade.
Vamos à carta e aos esclarecimentos, em grifo:
"Depois da eleição presidencial de 2010, em que saímos vitoriosos em 11 Estados, com o voto e o apoio de 44 milhões de eleitores ( que foram insuficientes para que vencesse a adversária, Dilma Rousseff), manifestei publicamente a disposição de concentrar meu trabalho político, minha atenção e minhas reflexões nas questões nacionais (escrever artigos nos jornalões). Foi o que fiz nos últimos meses, expondo ideias e defendendo teses em artigos, palestras, seminários, entrevistas e propostas de ação política encaminhadas ao PSDB, a partidos aliados e vários setores organizados da sociedade (em muitos eventos, como simples penetra).
Nas últimas semanas, ocorreram várias manifestações de integrantes do PSDB – e mesmo de outros partidos, nossos aliados - no sentido de que eu me apresentasse como pré-candidato a prefeito de São Paulo nas eleições deste ano (pudera, com os pré-candidatos que os tucanos tinham, a derrota era certa). Para mim, a política não é uma atividade privada, objeto apenas da vontade e do desejo pessoal, ou fruto de ambição íntima (trecho que revela a índole cínica ou cômica do missivista). Encaro a política como atividade pública e coletiva, com propósitos determinados (quais seriam?), destinada à promoção do bem comum (para que grupos?) e à melhoria das condições de vida de toda a coletividade (então, por que não fez isso ao longo de toda a sua vida pública?).
Aprendi, ao longo da vida, que a ação e os movimentos políticos são, também, subordinados às circunstâncias, à conjuntura, ao momento ( justificativa por ter traído a promessa de que cumpriria todo o mandato de prefeito paulistano). Aprendi a reconhecer que o interesse coletivo se sobrepõe, sempre, aos planos pessoais daqueles que abraçaram de fato a causa pública (o "coletivo", no seu caso, está circunscrito a uma meia dúzia de pessoas). Por isso tudo, ouvi bem os argumentos dos meus interlocutores: eleitores, amigos (bem poucos), parlamentares, dirigentes de diferentes partidos, o prefeito Gilberto Kassab e o governador Geraldo Alckmin.
Refleti intensamente sobre a situação do país, os dissabores que o processo democrático tem enfrentado diante do avanço da hegemonia de uma força política (claro que se refere ao PT; a "hegemonia" vem por conta da preferência da maioria do eleitor pelo partido e à sua competência na administração pública), o peso e a importância de São Paulo nesse processo.
São Paulo é a maior cidade do país. E é aqui, neste ano, que se travará uma disputa importante para o futuro do município, do Estado e do país (ou seja, a eleição municipal é uma bobagem, o que importa é ganhar em 2014) . Uma disputa entre duas visões distintas de Brasil, duas visões distintas de administração dos bens coletivos, duas visões de democracia, duas visões distintas de respeito aos valores republicanos (maniqueísmo puro: eu sou do bem, eles são do mal).
Não fujo à luta nem fujo às minhas responsabilidades (só quando isso for conveniente...). Com humildade (essa doeu!), ofereço meu nome ao PSDB, não apenas à sua direção, mas também aos militantes, simpatizantes, apoiadores e eleitores, como pré-candidato à eleição de prefeito. Ao me apresentar para a disputa, vou ao encontro de um chamamento de minha própria consciência (enfim, um pouco de sinceridade): quero ser prefeito de São Paulo (a sinceridade durou pouco; ele quer mesmo é ser presidente da República) porque acho que esta imensa cidade cobra o que de melhor o nosso partido e os nossos parceiros têm a lhe dar nesta jornada: experiência (em privatizar o bem público, principalmente), capacidade para inovar (dependendo do quê, é bem verdade), fazer acontecer (o que será isso?), unindo os esforços da prefeitura e do governo do Estado.
Agradeço às milhares de manifestações de apoio e apreço que recebi nestes três últimos dias (o desespero entre os tucanos aumentava). Respeitamos, como sempre, os nossos adversários (essa doeu!), mas temos clareza de que o nosso partido e os nossos aliados representam o melhor para esta cidade (uma opinião que não resiste aos fatos).
Fui favorável e sempre estimulei as prévias para a escolha do nosso candidato (ai, ai!) e a elas me submeto se o partido considerar tempestiva a minha inscrição. E, se escolhido, tenham certeza, saberei honrar a indicação e, posteriormente, o mandato (da outra vez até registrou a promessa de ficar até o fim em cartório...), fazendo uma administração municipal digna dos nossos sonhos (ainda bem que explicitou: dos sonhos deles, que são bem diferentes dos nossos), dos nossos valores (estamos perdidos!), dos nossos antecedentes (o livro "Privataria Tucana" diz bem quais são) e daquilo que os paulistanos esperam (a maioria, com certeza, quer ele bem longe da Prefeitura).
Contem comigo. Saudações tucanas, José Serra"
Espremendo todas as orações, traduzindo todas as entrelinhas, o conteúdo da carta é bem simples: se perdermos São Paulo, estamos f....!
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