A Campanha do Voto Distrital
A recente campanha em favor do voto distrital tem uma história curiosa. Primeiro, foi divulgada com o estardalhaço que a mídia de direita dedica aos temas que considera prioritários, ocupando a capa de revistas e as colunas de seus comentaristas mais prestigiados. Depois, teve seu lançamento “sério” e “oficial”.
Aconteceu esta semana, em São Paulo, no Instituto Millenium, seu 7º Colóquio, com uma interrogação no título “Voto Distrital ou Proporcional?”. Os participantes responderam em coro (quase unânime): distrital.
Várias coisas foram interessantes no evento. Uma, é que, praticamente, tudo que havia sido publicado pela imprensa em defesa do voto distrital estava lá: os mesmos especialistas que ouviu eram os palestrantes, os números e cálculos divulgados tinham sido preparados para ele.
Parece que a mídia conservadora teve acesso privilegiado e pode antecipar o que seria tratado no Colóquio.
Outra é que, nele, tudo estava mais claro que na imprensa. Enquanto ela apresentou sua argumentação como se resultasse de reportagens e trabalhos “técnicos”, no Colóquio a posição política da maioria dos convidados estava escancarada: o presidente do movimento “Endireita Brasil” foi o mediador dos debates, por exemplo.
O evento foi realizado na sede da Federação do Comércio de São Paulo.
O Instituto Millenium congrega empresários, banqueiros, alguns intelectuais e muita gente da grande imprensa: os proprietários dos maiores veículos de comunicação, seus chefes de redação, alguns jornalistas e comentaristas, quase todos os personagens que costumam ouvir quando precisam da opinião de “entendidos” (em qualquer coisa, desde a crise da Líbia à musica popular). Não esquecendo diversos ex-integrantes do governo Fernando Henrique.
Na sua apresentação, o Instituto diz que é “referência na divulgação dos temas democracia, liberdade, estado de direito e economia de mercado”. Seu objetivo explícito é “atingir a opinião pública, conscientizando-a sobre os valores que considera primordiais para o fortalecimento da democracia e para o desenvolvimento do país”.
Trata-se de um think tank da direita brasileira, uma organização destinada a preparar e propagandear sua agenda para o país. A grande diferença que tem em relação a instituições semelhantes em outros países (como os Estados Unidos, onde existem diversas), é a super-representação, em seus quadros, de dirigentes dos grandes grupos da indústria da comunicação.
Enquanto suas congêneres no exterior precisam dar tratos à bola para levar suas ideias à mídia, aqui as coisas podem ser resolvidas amigavelmente, com todo mundo sentado em torno da mesma mesa.
Não é, no entanto, a primeira vez que, no Brasil, uma entidade como o Instituto Millenium existe e tem essa ligação orgânica com a grande imprensa. No início dos anos 1960, houve algo parecido: o IPES - Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, de atuação nada irrelevante na criação das condições sociais e políticas que levaram ao golpe de 1964. (Chega a ser engraçado: os pais de alguns membros e mantenedores do Millenium fizeram parte do IPES, confirmando a tese de que “filho de peixe, peixinho é”.).
Mas isso não quer dizer que o Millenium, nem seus integrantes (certamente não todos), sejam golpistas.
É evidente que as pessoas de direita têm todo o direito de se reunir para discutir suas ideias. De procurar fazer com que elas sejam conhecidas pela sociedade. De usar suas empresas e seu dinheiro para isso.
É natural, na democracia, que apoiem os candidatos com que mais se identificam. Que façam oposição àqueles de que discordam: os esquerdistas, socialistas, progressistas. E que não gostem dos petistas e “lulopetistas” (palavra inventada pelos jornais dos empresários que integram o Instituto).
Seria bom para todos, no entanto, que houvesse mais transparência nas relações entre a direita e alguns grupos de mídia. Que elas fossem assumidas com franqueza.
Pode-se concordar ou não com a campanha pró-voto distrital. Mas é ruim quando a opinião pública não fica sabendo de onde vem, quem a inspira e organiza. O risco é que ela compre gato por lebre.
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Aconteceu esta semana, em São Paulo, no Instituto Millenium, seu 7º Colóquio, com uma interrogação no título “Voto Distrital ou Proporcional?”. Os participantes responderam em coro (quase unânime): distrital.
Várias coisas foram interessantes no evento. Uma, é que, praticamente, tudo que havia sido publicado pela imprensa em defesa do voto distrital estava lá: os mesmos especialistas que ouviu eram os palestrantes, os números e cálculos divulgados tinham sido preparados para ele.
Parece que a mídia conservadora teve acesso privilegiado e pode antecipar o que seria tratado no Colóquio.
Outra é que, nele, tudo estava mais claro que na imprensa. Enquanto ela apresentou sua argumentação como se resultasse de reportagens e trabalhos “técnicos”, no Colóquio a posição política da maioria dos convidados estava escancarada: o presidente do movimento “Endireita Brasil” foi o mediador dos debates, por exemplo.
O evento foi realizado na sede da Federação do Comércio de São Paulo.
O Instituto Millenium congrega empresários, banqueiros, alguns intelectuais e muita gente da grande imprensa: os proprietários dos maiores veículos de comunicação, seus chefes de redação, alguns jornalistas e comentaristas, quase todos os personagens que costumam ouvir quando precisam da opinião de “entendidos” (em qualquer coisa, desde a crise da Líbia à musica popular). Não esquecendo diversos ex-integrantes do governo Fernando Henrique.
Na sua apresentação, o Instituto diz que é “referência na divulgação dos temas democracia, liberdade, estado de direito e economia de mercado”. Seu objetivo explícito é “atingir a opinião pública, conscientizando-a sobre os valores que considera primordiais para o fortalecimento da democracia e para o desenvolvimento do país”.
Trata-se de um think tank da direita brasileira, uma organização destinada a preparar e propagandear sua agenda para o país. A grande diferença que tem em relação a instituições semelhantes em outros países (como os Estados Unidos, onde existem diversas), é a super-representação, em seus quadros, de dirigentes dos grandes grupos da indústria da comunicação.
Enquanto suas congêneres no exterior precisam dar tratos à bola para levar suas ideias à mídia, aqui as coisas podem ser resolvidas amigavelmente, com todo mundo sentado em torno da mesma mesa.
Não é, no entanto, a primeira vez que, no Brasil, uma entidade como o Instituto Millenium existe e tem essa ligação orgânica com a grande imprensa. No início dos anos 1960, houve algo parecido: o IPES - Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, de atuação nada irrelevante na criação das condições sociais e políticas que levaram ao golpe de 1964. (Chega a ser engraçado: os pais de alguns membros e mantenedores do Millenium fizeram parte do IPES, confirmando a tese de que “filho de peixe, peixinho é”.).
Mas isso não quer dizer que o Millenium, nem seus integrantes (certamente não todos), sejam golpistas.
É evidente que as pessoas de direita têm todo o direito de se reunir para discutir suas ideias. De procurar fazer com que elas sejam conhecidas pela sociedade. De usar suas empresas e seu dinheiro para isso.
É natural, na democracia, que apoiem os candidatos com que mais se identificam. Que façam oposição àqueles de que discordam: os esquerdistas, socialistas, progressistas. E que não gostem dos petistas e “lulopetistas” (palavra inventada pelos jornais dos empresários que integram o Instituto).
Seria bom para todos, no entanto, que houvesse mais transparência nas relações entre a direita e alguns grupos de mídia. Que elas fossem assumidas com franqueza.
Pode-se concordar ou não com a campanha pró-voto distrital. Mas é ruim quando a opinião pública não fica sabendo de onde vem, quem a inspira e organiza. O risco é que ela compre gato por lebre.
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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