Não é possível que, ao requentar o escândalo dos chamados aloprados, a imprensa, inclusive a TV Record, deixará continuar abafado um dos maiores mistérios mal contados:
Com quem ficou a propina de 6% para liberar pagamentos dos sanguessugas no Ministério da Saúde, quando o atual prefeito de Piracicaba Barjas Negri (PSDB/SP) era o ministro, sucessor de José Serra (PSDB/SP) no ministério?
Está tudo lá no relatório final da CPI dos Sanguessugas, a partir da página 59:
Na página 61 a 68 o esquema de corrupção é detalhado:
1.4.1.1. As acusações
Darci José Vedoin disse que se encontrou casualmente com Valdizete Martins Nogueira, prefeito de Jaciara (MT) e Abel Pereira no estacionamento da Câmara dos Deputados em 2002. Nessa oportunidade, Valdizete ofereceu-se para agilizar liberações de recursos aos municípios dentro do Ministério da Saúde, por intermédio de Abel.
Luiz Antônio Vedoin esclareceu melhor como o nome de Abel Pereira chegou até eles. Disse que, entre os meses de outubro e novembro de 2002, o prefeito de Jaciara, Valdizete Nogueira, comentou com seu pai que conhecia pessoa com influência para liberar recursos no Ministério da Saúde. Seria Abel Pereira, que seu pai veio a conhecer por intermédio de Valdizete, naquela ocasião. Segundo Luiz Antônio, Valdizete fez essa afirmação em razão de Abel Pereira ter conseguido liberar R$ 650.000,00 para construção na área de saúde município de Jaciara enquanto Valdizete era prefeito (de 2001 a 2004). Tal liberação ocorrera durante a gestão de Barjas Negri como Ministro da Saúde.
De acordo com Abel Pereira, a reunião entre ele, o ex-ministro Barjas Negri e o ex-prefeito Valdizete Martins Nogueira, teria ocorrido no dia 11 de julho de 2002.
Darci Vedoin disse que, em decorrência dos atrasos ocorridos nas transferências ao final de 2002, procurou contato com Abel Pereira. Conseguiu seu telefone com Valdizete, contactou-o, e se encontraram no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Nessa ocasião, Abel afirmou que tinha contato direto com o Ministro da Saúde, Barjas Negri, o que facilitava a liberação dos recursos. Acertaram que a comissão a ser paga pelas liberações que ele conseguisse ficaria entre 3% e 6,5%, a qual, ao final, foi efetivada por cerca de 6%. ....
Sobre a comissão, Luiz Antônio afirmou que o percentual acertado foi de 6,5% sobre os “valores liberados constantes da Planilha às 1280/1289 dos autos”. Segundo ele, a planilha apresentada por Abel, teria sido elaborada no próprio Ministério da Saúde.
Ronildo Medeiros também confirmou a existência desse acordo, dizendo, no interrogatório, que “sabia que Darci Vedoin, em 2002, acertara com Abel Pereira o pagamento de 6,5% sobre os recursos que conseguisse liberar para unidades móveis de saúde e equipamentos médicohospitalares, mas que ele próprio nunca chegou a fazer negócio com Abel”.
Darci Vedoin disse que, durante o mês de dezembro de 2002, ele e Abel se encontraram, em média, duas ou três vezes por semana, no hotel em que Abel se hospedava na Asa Sul, em Brasília...
Segundo Darci, naqueles encontros, eram apresentadas planilhas dos municípios que celebraram convênios com o Ministério da Saúde e ele fazia a seleção para que Abel providenciasse a liberação... O montante dos recursos liberados ficou entre R$ 3.000.000,00 e R$ 4.000.000,00 ... Quanto a esse montante, a comissão negociada foi integralmente paga a Abel, mediante cheques e depósitos em nome de terceiros indicados por ele.
Luiz Antônio Vedoin forneceu detalhes sobre os pagamentos que teriam sido feitos a Abel Pereira: “os pagamentos feitos pela empresa Klass a Abel pela liberação dos recursos aos municípios constam das fls. 1272 a 1279 dos autos e foram destinados às empresas: Canguru F. Sociedade de Fomento Ltda. – R$ 33.500,00 em 24/12/2002; Data Micro Info. Ltda. – R$ 70.000,00, em 19/12/2002; I. Repr. Turística Ltda. – R$ 60.000,00, em 18/12/2002; Mário J. Martignado – R$ 20.000,00, em 03/01/2003. As cópias dos cheques de fls. 1290, 1291 e 1292, emitidos pela empresa Klass, foram entregues a Abel a título de adiantamento pelos empenhos que seriam realizados, no entanto, como Abel não conseguiu empenhar nenhum valor os cheques não foram quitados – devido a contra-ordem ou insuficiência de fundos”, confirmando o depoimento de seu pai.
1.4.1.3. O inquérito aberto pela Polícia Federal
A Polícia Federal abriu inquérito para investigar as acusações feitas pelos Vedoin. O inquérito foi aberto em 26 de setembro, para apurar autoria e responsabilidade criminal dos delitos tipificados, em tese, nos seguintes dispositivos legais:
1) Art. 317 do Código Penal (corrupção ativa): solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem;
2) Art. 288 do Código Penal: (formação de quadrilha): associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crime;
3) Art. 90 Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações): frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem,
vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação);
4) Art. 1º, incisos V e VII, da Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro): ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VII - praticado por organização criminosa.
Abel Pereira foi ouvido e prestou esclarecimentos, em 23/10/2006. Segundo disse do Delegado Diógenes Lacerda, em depoimento a esta CPMI, foram quebrados diversos sigilos bancários, mas os dados ainda não haviam sido analisados.
Sete meses depois do depoimento na Polícia Federal, em 10 de junho de 2007, Abel Pereira morreu aos 51 anos (oficialmente de infarto fulminante). Mas sua morte funcionou como uma conveniente queima de arquivo, pois processos criminais podem ter sido extintos com sua morte. Mas nada impede que um bom jornalismo investigativo se debruce sobre tudo aquilo que a imprensa demo-tucana abafou, principalmente sobre as conexões com o Ministério da Saúde demo-tucano e o destino final do dinheiro das propinas.
Além desta história apurada na CPI dos sanguessugas, em 2006 a câmara de Vereadores de Piracicaba tentou abrir uma CPI municipal para apurar as 37 licitações da prefeitura no ramo de construção civil e pavimentação, vencidas por empresas da família de Abel Pereira, entre 2005 e 2006. O prefeito tucano Barjas Negri mobilizou seu rolo compressor na câmara para impedir a CPI e conseguiu abafar.
É curioso a forma como a imprensa requenta o escândalo dos aloprados. Acusam os "aloprados" de um crime que não existe: não é crime correr atrás de denúncias contra políticos corruptos. Crime é o que políticos corruptos fazem. Ainda que o chamado "dossiê Vedoin" fosse falso, não houve crime porque sequer foi usado. Também não é crime pagar por informações, desde que o dinheiro seja lícito, e agora dizem que aquele dinheiro apreendido era do Quércia, que tinha uma fortuna declarada de R$ 100 milhões, mais do que suficiente para cobrir aquele valor.
Já os crimes de verdade, tipificados no código penal, que pesam sobre Abel Pereira, há um tenebroso silêncio nas redações.
A íntegra do relatório final da CPI das ambulâncias está nos links abaixo:
- Volume I: http://www.senado.gov.br/sf/comissoes/CPI/Ambulancias/CPMI_RelatorioFinal_VolumeI.pdf
- Volume II: http://www.senado.gov.br/sf/comissoes/CPI/Ambulancias/CPMI_RelatorioFinal_VolumeII.pdf
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